08 março 2010

sunflower

pega fogo o apartamento na esquina
e concluo que cada noite é uma noite
e cada bolero, um bolero
os passos desritmados ao abismo:
inevitáveis

há um enorme gap entre o que sou e o que devo ser
duas pontes que conectam
o acesso
ao retrocesso
difuso
e torpe
pela noite

o cansaço do cansaço
dum barco velho que não se move mais
de pessoa
pra
pessoa
pra
caeiro
pra


e o que guardo - velado velado -


nada poetizarei
nada achincalharei

a lona é morna
e envolve os fatos
enquanto não descobrir o que há por baixo
não durmo
não dormirei
nunca


amanhã haverá o trânsito
o acinzentado massacre
o pensamento que explode doido

haverá o fôlego e o choro
o poeta e o louco

e haverá a verdade
deliciosamente nua
estapeando-me a cara


todos erram.



nenhuma dor exprime
o que um vibrato retrata
num bolero



me debruço
me viro
não durmo
não engulo

haverá amanhã a carne carcomida
dois longos caminhos
e um beijo


que dirá


boa noite, sunflower.

4 comentários:

Anônimo disse...

E enquanto todo o resto do mundo se limita a ser o resto e apenas isso, eu lhe digo garotinha... você tem a poesia, acredite você tem.

Anônimo disse...

Seu poema me faz lembrar o estilo da prosa de um escritor cubano que eu admiro pela crueza das palavras.
Seu poema é como um caminho. Os fatos seguindo, se truncando, se duvidando, continuando, não deixando, enfim, que algo que já tenha havido possa fazer parar.
Seu poema é difícil. Sua lírica e os fatos descritos se abraçam e se perdem e se encontram, e eu não consigo acompanhar no mesmo ritmo que o seu poema prossegue. Eu me perco tentando decifrar. O que é um pecado, porque poesia é o que é, e não precisa de ninguém para ficar decifrando e apontando o que é e o que não é.

Querer dizer o que parece ou o que é, bem, é um pouco presunçoso de minha parte.

Mas o que eu queria dizer mesmo é que eu gostei, e li diversas vezes sua 'sunflower' pra poder escrever aqui.
O Anônimo disse: "Você tem poesia". Eu gostei disso. Essa afirmação tem uma força terrível.

Desculpe a petulância de escrever tanto, mas depois de ler tantas vezes sua 'Sunflower', eu precisava dizer algo.

Anônimo disse...

Pensou certo. Pedro Juan Gutiérrez.

Então.
O que me lembra Pedro Juan na sua poesia não é exatamente o assunto que vocês abordam. Mas sim, a maneira de produzir. A sequência dos fatos. Não há espaço para excessos, devaneios perdidos. Todas as coisas pensadas espreitam um motivo, o significado.
Eu diria que sua poesia é venturosa. Não se limita ao que pode ser.
É didícil explicar essas lembranças que a gente tem, que aparecem. Quase tudo fica na cabeça, e na hora de explicar sempre fica aquém.

Eu gostei de sua 'Sunflower'. Me faz pensar em um monte de coisas, num monte de significados.

Se me permite duas perguntas. O que você sentia ao escrever 'sunflower'? O que pretendia?

Anônimo disse...

cara, me desculpa. mas eu conheço o Pedro Juan de perto - e essa poesia não tem nada, nada, da poesia que ele faz. eu não digo que é menor, maior, igual...mas a pegada dele é outra, é suja até as tripas.

"sunflower" é melódica, dançada...leve como um sopro de vento de uma manhã de outono.