26 março 2014

desculpa


ajeita o pijama dobrado
debaixo do travesseiro
pensa no nome
dela
levina

acende o primeiro cigarro
pós-expediente
cumprimenta
o segurança

boa noite

em vão
quer adivinhar
coisas

que bobagem

carrega o ipod
ouve
thirthy-three
é tão
tão
linda

lê poesia cafona
o jornal
no metrô
os quadrinhos
esse menino
me olhando
deve ter
cinco
ou seis
sete
anos

quer fazer sopa
filho
livro

levar o cão pra passear

conferir
se preposição
é 
em caixa
baixa
ou
alta

ler as manchetes
e desacreditar
confundir
os tempos verbais
misturar
a porra toda

peca
esconde
erra
chora
e reza

toma banho correndo

hoje é um novo dia



14 março 2014

o problema é que eu estava voando



tirei uma foto tua. você não percebeu. e nunca irá saber. tirei uma foto de uma joaninha que encontrei no batente da porta outro dia. hoje eu vi um cachorro que parecia uma raposa, um chacal. tirei uma foto de uma nuvem em formato de faixa romântica na porta da casa da sua namorada. tirei uma foto minha. tirei uma foto do meu esmalte do pé descascando. você nunca verá essa foto. tirei uma foto (mas essa foi com a mente) do cara de olhos tristes. tirei uma foto de um peixe morto que vi na feira. te vi correr, te vi dormir, tirei várias fotos, mas nunca vou te mostrar. tirei uma foto da zélia. ela comia bolo e sorria. tirei uma foto do meu caderno. essa foi pra celebrar a inspiração repentina. tirei uma foto deles sorrindo no parque. e de um deles que subiu na árvore. tirei uma foto da mina encapuzada e do namorado dela que carregava um skate. tirei uma foto dos meus poemas nunca revisados. se um dia eu perdesse o caderno, teria a foto. tirei uma foto da árvore porque ela era tão bonita e pensei que você talvez achasse doce eu fazer isso. tirei uma foto sua mastigando. tirei uma foto da mão do meu pai fazendo cafuné na minha mãe. tirei uma foto da minha idade, 27, que logo não será mais minha. tirei uma foto de todas as construções linguísticas que já quis fazer em algum texto e nunca consegui. essa teve um impulso de coragem. tirei foto do dormitório do acampamento. eu dormi de pijama no beliche de cima. me desculpe se beliche é um substantivo feminino, mas eu realmente não quero saber. tirei uma foto da hora que eu encostei em você. tirei uma foto do seu videocassete prata. tirei uma foto das toalhas penduradas no varal. elas balançavam com o vento e aquela cena me dava tanta saudade de quando eu era criança. um dia vi uma laranja em cima da máquina de lavar e perguntei pra rosa o que é isso? chouriço, pra comer na hora do serviço. até hoje essa resposta me intriga porque não sei o que é chouriço. talvez seja apenas uma palavra mal educada pra despistar alguém que te enche o saco. era muito provável que eu enchesse o saco da rosa. tenho fotos em que ela me beija e me abraça. mas mamãe disse que ela nos roubava. nunca mais nos falamos. fiquei com raiva da rosa. e também com um pouco de dó. ela era boa pra mim, ainda que tivesse uma cara de mulher má - com direito a sobrancelhas arqueadas. o cabelo curtinho, bem crespo. a pele morena. me contou que a laranja era um chouriço. desconfiada, eu olhava pra laranja. ficava até cansada de pensar. por que a rosa vai comer uma laranja e tem que ser na hora do serviço? tirei uma foto. minha. eu tinha cinco anos, morava naquela casa antiga e grande, com paredes descascadas. troquei uma barbie por um adesivo brilhante. meu irmão dizia que eu era otária. mas na hora o adesivo me pareceu muito mais interessante que a barbie. ela era tão perfeita e tão diferente de mim. já o adesivo era em formato de borboleta. mas era usado e já tinha perdido parte da cola. não grudava mais em nenhuma superfície. mamãe explicou que as garotas mais velhas da rua me faziam de boba. mesmo assim eu gostava de brincar com elas. tirei uma foto da garrafa de cerveja suada. você bebeu tudo tão rápido. eu bebo devagar, eu acho. larguei a carne. tá pra dar uma semana. tirei uma foto de um assento vazio no ônibus. e por uns segundos imaginei você nele. mentalmente me estapeei e deletei a foto. mas depois tirei uma foto do teto branco, imponente, infinito, largo. tetos são reflexivos. tetos são absolutamente necessários. quem nunca olha pro teto não olha pra si. eu tenho alma. tirei uma foto do pote de açúcar. de alguma maneira ele me convidou a retratá-lo. quis tirar uma foto da banca de jornal na esquina, mas não tirei. nem da grávida. tive vergonha. também não tirei foto do cobrador. nem do seu pescoço. mas tirei várias outras. talvez eu deixe você ver. se pá a da pizza, a do corredor. eu também tirei uma foto do prefeito. fiquei impressionada em ver como ele fala bem. e recebo diariamente a agenda do homem. são muitas reuniões todos os dias. ele me olhou no olho. não é esquisito imaginar o prefeito te olhando no olho? achei um tanto. tirei uma foto da minha cabeça só pra me certificar de que ela realmente estava no lugar propício. e também uma do coração.

11 março 2014

exagero

o homem que vende bandeiras do palmeiras avista a polícia
cuidadosamente
ainda que ágil
ele desmonta o varal que improvisou no muro do cemitério
guarda suas coisas
e vai

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a mulher ao meu lado
tinha um cheiro
de dama da noite
procurei a árvore
não existia
era ela
cabelo preto
enrolado
vestido com mangas 3/4
preto e branco
estampado

vi a lua

é dia
da dama
da noite
ver o namorado

--

fresta
porta
café
esquece