27 junho 2011

mas depois

que meu coração tem dessas. gosto de andar por aí sozinha. apareço fantasmagoricamente pela faculdade. apareço, sumo. gosto de andar só - embora pensar me mate. dói muito andar só pois pensa-se demasiadamente. mesmo só, penso nas pessoas e no que elas estão fazendo. penso com ternura. gosto delas, mas acontece que hoje eu quis ficar só. no debate, enquanto helena katz falava, mesmo ali, enfiada em minhas anotações, tentando elaborar uma pauta que rendesse - para nenhum fim específico, sei, mas gosto de treinar minha suposta vocação jornalística todo o tempo. não pensei em nada. peguei minhas coisas e saí fora. senti-me engessada, mas depois reparei: estava só porque assim escolhi.

oleáceas

e

no fim do dia

encostar a cabeça

na janela do ônibus

tentando

não exercer

o existir

26 junho 2011

doze poemas

doze poemas desconexos, criados nos últimos dois meses.

----------

domingo
cinza
as árvores balançam
fico
à espreita
na janela
esperando
a sorte

----------

amor

hoje não tem poesia
porque a saudade tá doendo muito

----------

concluir é sempre devastador.
prefiro lamber meus cotovelos.

----------

acho gozado
a poesia se entremear às contas
e o pescoço ao cachecol
que mamãe, lindamente, me costurou

eu tinha o que? uns dez
pois que minha mãe só trabalhava
e em nome de algum entretenimento, enfiou-me num curso de crochê
desses de bairro
quando cheguei
me juntei às velhas
fiz uma linhazinha de crochê lilás
e nunca mais voltei ao curso
bastante óbvio pois as velhas não me apeteciam
muito menos o crochê (que até achei curioso)
naquele tempo eu devia pensar em, sei lá, guitarras

mamãe também nunca me costurou nada
nada que eu me lembre agora
mas hoje cheguei em casa e cá estava o cachecol

sou a única mulher
dois homens me antecederam
porém, mamãe não quis fazer ultrassom
meu nome foi joão paulo por nove meses
mas quando cheguei ao mundo e chorei pela primeira vez
o médico disse: é uma menina!!
diz mamãe que se debulhou em lágrimas
uma menina!
no dia seguinte papai foi ao cartório
voltou ao hospital e avisou: registrei débora
e assim ficou
meu nome é débora
fui concebida assim, sem sexo, com nome de menino
filha da professora e do bancário
irmã do renato e do fernando

quando vejo minhas fotos ainda bebê
lá estou
banheira azul
macacão azul
pois mamãe, durante a gravidez, jurava comprar aquilo tudo para o joão paulo
mas joão paulo nasceu débora
e débora permaneceu

----------

a estranheza do gosto
anula a estranheza do corpo
e traz a calmaria do porto
quando é madrugada
e me sinto só

----------

nada que duas pílulas de puro placebo não acalme

----------

a tristeza acontece
quando só
quando acompanhada
e no dia em que ela me deixar
ainda estaremos de mãos dadas

----------

é edith piaf
quem canta lindamente assim
é edith piaf
que canta no escuro pra mim

----------

dois goles
do mais azedo
caos

são paulo
mata

----------

vontade de fugir, de fingir que não existo
invejo os cães que sabem fingir de morto

----------

que a boca babava sangue e ela deixava
o que eu ia dizer? dizia nada
esperava o ônibus como quem esperava a morte
dentro da madrugada

----------

as trevas
quem é que gosta
de frequentar
as trevas

09 junho 2011

acordei

estou sem paciência para academicices. minha vida pulsa feito um peixe que morre pela boca e, nos últimos respiros, respira forte, forte peixinho, respira como um gigante. assim estou. assim estou. convivendo com o negrume das últimas noites e a falta de sol das manhãs. explodindo o fel sentimental, que é elemento inevitável nessa minha narrativa pobre. precisando aprender melhor as porcentagens, precisando de nomenclaturas, nomes, politicagens perecíveis - que minha cabeça lesada não me permite lembrar.

sinto falta do céu livre sendo meu e de ver a tarde se aconchegando.

os ponteiros me fitam.

escrevo sobre democratizar os meios mas vivo a ditadura mundana, onde o chão é feito de concreto e não de terra.

05 junho 2011

meu coração é vermelho

nele, uma mistura de xícaras estampadas, todas com um resto de chá mate com limão. minhas mãos, geladas, afagam um cachecol quente que deixo por cima das pernas. nos olhamos, despidos de valores, soltos ao inverno, adocicados pela vida. o mundo gira louco. não estamos em santa cruz, nem em paris. estamos numa cabana imaginária, onde os lençóis são claros, os cobertores quentes e nossa comida é servida em pratos plásticos. faz frio e nos abraçamos. o mundo pode se afogar em vida. nós ficaremos aqui.