29 agosto 2011

um som da rua entra pela janela
um metrônomo
meus pés, deitados, doem relativamente pouco
mas foi porque andei

a noite está quente
e noites quentes me inspiram a escrever
muito embora a rotina tenha me consumido um pouco a poesia
tenho preferido a poesia alheia do que a minha própria

mais do que a literatura
tem me apetecido o teatro
vozes impostas
ah
lágrimas merecidas

persigo o escuro
como um bicho cego pela noite
respiro o anúncio da primavera
e me doo
ao lado prático da metafísica
com parcimônia

pois assim fica bom

e quiçá equilibrado

assim

com parcimônia

enquanto o taximental passeia pela cidade à noite

sorrindo

um sorrisinho

11 agosto 2011

o mundo / o humus / único / gira / muito



na foto: marrocos e marte

e as diferenças.
e as semelhanças.

"eu segurava a mão do américo, na verdade, e ele deixava-se comigo um segundo mais e era como eu achava que minhas forças se esgotavam. segurava na mão dele e era ínfimo o gesto mas tremenda a energia, julgava eu que suficiente para, pela raiva tão grande, punir o imbecil do meu coração que permanecia batendo à revelia dos meus mais dilacerantes sentimentos. o américo depois largava-me e dizia, não se preocupe, senhor silva, vai ficar bem. e eu aquietava-me e cansava-me que todos me disessem tal coisa e eu quisesse urgentemente outra. não me digas isso rapaz, fala-me na morte, no fim de todas as horas, conta-me o que sabes sobre como sair daqui, sobre quem já foi, quem conseguiu descobrir como salvar-se de sofrer. fala-me dessas coisas por piedade, rapaz, não me cures, não me digas que vou estar aqui amanhã, não quero estar em lugar nenhum amanhã, não entendes isso. e ele respondia-me, não chore assim, senhor silva, assusta-me. e eu chorava, tão transparente quanto aflito, e pedia-lhe que tivesse a piedade de manter-me sentado, porque às vezes sentia que me levantaria num repente e, em pânico, magoaria quem viesse à frente."

completamente emocionada. ainda no livro de v. hugo mãe

07 agosto 2011


"tombei no chão e, por um tempo, a consciência foi-se e eu pude ser ninguém, como as coisas deviam ser sempre nestas alturas. só depois gritei, imediatamente sem fôlego [...] fui atacado pelo horror como se o horror fosse material e ali tivesse vindo exclusivamente para mim."

trecho de a máquina de fazer espanhóis, do angolano valter hugo mãe

04 agosto 2011

a serpente

tem dentro de si uma serpente desgovernada cujo corpo, sinuoso, move-se de acordo com o tempo descontruído do bepop que ecoa no ambiente. ergue-se estruturadamente, com a precisão de uma batuta ao ar, quando o maestro rompe o vento, desenhando signos e segredos indecifráveis para o atônito público. seus olhos são feitos de fogo. sua mente, de fogos. é uma boa serpente, mas a crueldade do tempo e a aspereza mundana consumiram parte de sua delicadeza.

o bicho se arrasta, invisível ao olhos dos tolos.