minha poesia é lobo em pele de cordeiro
é falha
oca
sozinha
triste
branca
e
belle époque
me enfio entre o caminho da cabeça
do tronco ao pescoço
e respiro fundo
cheia de vértebras
que dançam
quando preciso dormir
traço uma linha no ar
como uma idiota
uma completa idiota
pra fazer dos tolos
um pouco mais tolos
e fazê-los ver
(sem modéstia)
o que nem eu vejo
é possível?
o gosto deveria ser doce
mas me desce amargo
tal qual café sem açúcar nem nada
o baixo continua groovado
bem, bem groovado
com um timbre quase acústico
a guitarra pontua o contra
com um pouco de reverb
e sem distorção
daí entra a voz ....................
cremosa
vozes
o que tenho ouvido deve ser diabólico
deve pertencer ao paralelo
ao semi-transcendental
pois quando fecho os olhos........... ah.
tenho um vizinho notívago
talvez mais notívago do que eu
porque todos os dias acordo bastante cedo
ele, não sei
um senhor já
com mais de cinquenta
fumante
fumamos à janela sempre
ele na dele
eu na minha
às vezes são duas, três da manhã
o homem fuma em silêncio
sempre com a luz acesa
eu gosto da meia-luz
nunca nos falamos
tampouco houve olhos nos olhos
porque é sempre escuro
mais vejo uma mancha do que um homem
pudera, não enxergo bem de longe
e também não tenho o desejo de vê-lo
então que, ontem, os dois à janela
um caminhão passa e praticamente arranca um dos fios do poste
nada falamos
o homem fumava
eu também
não nos "olhamos"
o homem pegou o telefone
deve ter ligado para a eletropaulo
falava e gesticulava no escuro de sua janela
com um ar aloprado
e louco
continuei a fumar
envolta por um cachecol vermelho felpudo
fumei
quieta, muito quieta
fechei a janela
me deitei e dormi
agora, escrevo poesia insonsa
o homem continua à janela
às vezes parece curiar o que escrevo
mas não me importo
mesmo se seu olhar fosse biônico
não enxergaria
não enxergaria nada
igualzinho aos tolos
dos quais falei.
e,
concretizando o pensamento inicial
que nada tem a ver com o homem da janela,
repito o inédito
(isso é possível no meu mundo, quanto ao seu, honestamente, não sei)
:
são dois gumes
e são dois cortes
dois.
4 comentários:
dois é ímpar
dois é uma delícia!
gostei daqui... :)
pois..dessa vez eu não peguei.
Dézinha é o Alberto Caeiro do asfalto, beesho.
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