22 janeiro 2014

the way she moved reminded me of a brown stallion


você está chorando? claro que não. então por que teu rímel tá todo borrado? eu suei. no olho? eu suei na testa e o suor foi até o olho. não queria que você chorasse sozinha. mas o que eu faço? te espero chegar pra chorarmos lado a lado? não, você pode me ligar. aí eu choro por telefone? choro por e-mail? meu choro já não tem lágrima. estou escolada no choro. rute, o ideal seria que você não chorasse. nunca? nunca não. quero dizer, não te queria triste. você tem a mim com todos os meus estados de espírito, seja triste ou feliz. eu sei disso e te quero assim. então não diga ao meu corpo o que fazer. ele faz o que sente. outras pessoas podem achar esse motivo torpe, mas pra mim é extremamente relevante. em absoluto. você entende? os motivos nunca são suficientes pras pessoas. quando pedi demissão, quando preferi não operar, quando me mudei são e foram decisões. minhas. quando você desistiu da bolsa. sim, quando desisti da bolsa pra fazer o que eu realmente queria. ontem vi uma mulher no ponto de ônibus segurando um copo plástico do mc donalds e ela me disse tanto. sem dizer. seu cabelinho curto. seu olhar severo, fixo na direção em que vinha o ônibus. tentei disfarçar porque não queria ser flagrada como se a estivesse medindo. assim, eu estava. mas com admiração. tive medo até de sentir inveja porque pensei que ela poderia estar num dia tranquilo, um dia sem ter que tomar graves decisões. quando vi estava atrasada para a consulta, perdi a hora em mim, saca? eu não estava fazendo nada. eu perdi a hora mesmo, sem ver pra onde ela tinha ido. escapou de mim. eu ali, sendo, tomada por uma mulher desconhecida. e meu pescoço doía, doía tanto e eu nem conseguia pensar na porra da consulta, que o pescoço espere, estou aqui respeitando minhas vontades naturais. ao invés do médico, cogitei comprar travesseiros novos. ou um spray daqueles de farmácia pra aliviar a dor. mas desisti de tudo. a dor pode esperar. na verdade, ela não pode, mas do mesmo jeito que espero meu corpo agir e reagir naturalmente, quero ter o poder de controlá-lo, de exigir coisas. e, no fundo, é isso que os humanos fazem o tempo todo. esperar de volta. premiar. condicionar. como quem treina cães. você fez isso certo. parabéns. aqui está sua recompensa. tudo bem, rute, imagino que você esteja desabafando porque essa história faz pouco sentido. o que é sentido pra você? defina. sentido é ordem? não estou nem um tanto predisposta a ordens nesse momento. tá bem, rute. já não faço ideia do que falávamos antes de você contar sobre a mulher. nada demais. nada que estremeça a sua base tão sólida e consciente. por favor, não começa a me chamar dessas coisas. não fode nosso clima. quero poder conversar de igual pra igual. ué, mais igual do que isso? dessa conversa não identificada? quem nos lê mal sabe quem somos. ademais, é até complicado entender se é você ou se sou eu dizendo. você poderia colocar travessões, débora. mas eu não quero. antes de colocar o texto aqui, minha ideia sequer era colocar coisas em negrito. gosto que vocês se misturem, que se camuflem um na frase do outro, que sejam quase um só. mas isso não somos nem nunca seremos. nunca é uma palavra tão grave. aliás, sou eu quem escreve a história de vocês. respeitando minhas faculdades mentais, posso matá-los, posso fazer com que se casem, posso dizer que são da mesma família, amantes, assassinos de aluguel, que são duas mulheres, dois homens colombianos, portugueses. eu escrevo e eu decido. sim, de maneira autoritária e intransigente. tudo bem. o que podemos fazer senão ficar aqui, esperando nossas próximas falas. rute, nossas palavras são quase humanas. porque mesmo que sejamos apenas personagens dessa história, nossos sentimentos aqui retratados são humanos. sim, mas não existimos enquanto matéria. e é a débora quem nos guia e nos define. e se formos uma só pessoa? não, não, de jeito algum. durante todo o texto ficou bastante claro que somos dois, que conversamos, que te contei sobre a mulher que vi segurando um copo do mc donalds. rute, não podemos saber. e se essa conversa for entre você e sua consciência? não, você existe, posso te ver, está na minha frente, você não é minha consciência. você é você. mas, rute, o texto mal diz se sou homem ou mulher. repara bem, durante toda nossa conversa não há pistas de quem eu seja. ei. por um momento tudo ficou embaralhado e eu torci, torci muito para que você existisse, que não fosse só um pedaço de texto, letras. você é você. eu gosto da nossa conversa e queira a débora ou não, vou continuar aqui, com você. agora quero te ouvir. me conta. conta como foi teu dia.

18 janeiro 2014

sei que vou encontrá-lo

já faz um tempo. estava no ônibus e era inevitável ver o que ela fazia no telefone. lia uma mensagem que estava no rascunho, fazia outra coisa, tornava a ler a mensagem. ela parecia angustiada. de antemão, peço desculpas por reproduzir aqui algo tão pessoal, tão íntimo pra você e tão avassalador pra mim. enquanto espectadora. leitora. da vida que é tua. desculpa, moça.

"estou certa de que sou especial, mas não o suficiente pra você ficar comigo. o seu lugar é ao lado da sua mulher e das meninas... que me faça esquecer tudo isso. sei que vou encontrá-lo. bjs"


16 janeiro 2014

leãozinho

estou no ônibus indo pra casa. o sol ainda está forte. senti um cheiro que me fez pensar e pensar e fechar os olhos pra me lembrar como era. é um cheiro de escola de criança. de brinquedo de madeira. engenheiro. cheiro de giz. de material escolar novo no começo do ano. é o cheiro do uniforme, que sujo ou limpo tem sempre o mesmo cheiro. cheiro de professora de jaleco rosa claro. fechei o olho e tentei lembrar. agora mal lembro o nome das professoras. eram duas irmãs, já senhoras, donas da escola. na mooca. tia lurdes. lembrei. ir pra escola era um misto de alegria com choro porque minha mãe e meu pai sempre trabalharam demais. eu tinha saudade. e medo de zarpar do carro e passar a tarde longe. preferia estar em casa brincando ou com eles no trabalho. não sei se era a melhor escola, mas era uma boa escola. não sei se o método de ensino era libertário e construtivista, mas era um bom método. eu era feliz. e lembro de banquinhos de madeira vermelhos. eles tinham um furo no meio e um cheiro bom de madeira. lembro de um dia me sentir triste. triste porque tinha medo de conviver, de ser julgada, de não ser aceita. mas eu era aceita. tinha amigos. as professoras gostavam de mim. isso tudo foi no pré. aí fui para uma escola maior. no primeiro dia da primeira série eu estava no carro com meu irmão do meio e minha mãe ao volante. eu estava com medo e usava um vestido de algodão verde-abacate. mas o verde de dentro do abacate, aquele mais claro. eu tinha cabelo chanel. minha professora se chamava eugênia. como eu queria lembrar o sobrenome dela e reencontrá-la. como fomos amigas. desde o primeiro dia de aula até o último, dos quatro anos em que estive lá. um dia a professora eugênia me chamou de canto e disse bem baixinho no meu ouvido: não conta pra ninguém, mas você é minha aluna preferida.