21 abril 2014

cartas perdidas e achadas - parte I


troca de cartas perdidas e achadas no tempo-espaço. por débora lopes e victor bauab.


oi.

comprei duas fichas. te liguei, chamou, chamou, perdi uma. guardei a outra no bolso. sinto tanta saudade. queria gritar pro mundo. não posso. li seu horóscopo hoje. dizia alguma coisa sobre mercúrio estar em áries, mas não decorei. até esqueci. também não decorei seu telefone. anotei num pedaço de papel e deixei no bolso junto com a ficha. às vezes penso muito em nós dois, no rumo que as coisas tomaram, em como me sinto subversiva quando pego tudo o que construí e jogo pro alto gritando o teu nome. dói como uma facada. aí ouço alfa fm, choro um pouco, compro hortelã pra fazer suco, escuto todos os discos da prateleira. nada faz sentido. nenhum deles faz sentido. o horóscopo não faz sentido. essa ficha no meu bolso não faz sentido. seu telefone. minha letra. o papel. parece que um buraco enorme se abriu no mundo. e quem tá caindo sou eu. não é você.

nos vemos,

l.


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my new dear,

agora fiquei encabulado. você tentou me ligar naquela tarde? pois, eu estava em frente ao teu prédio, olhando para o andar que supus ser seu apartamento. aquelas flores só poderiam ser tuas. girassóis lindos, naquele vasinho todo colorido. foi você que pintou? não vi nenhum movimento lá, então sentei naquele café da esquina em que tomamos o pingado e o chapado da manhã. abri o livro na página 23, cheia de cá cá cá na fé fé fé, e pensei ter te visto atravessando a rua, mas algo ali não era teu.

dormi mal naquela noite, preciso te contar. você me vinha na mente a todo o tempo, não me deixava dormir. vivo um pouco assim ultimamente, perturbado. mas de um jeito bom, por deus, não me entenda mal. recolher os despojos frente a velhas tumbas para alcançar a enteléquia da mais pura não é a função de existir?

perdi o papel que você me deu, mas me lembro mais ou menos o que estava escrito. "fui, mas não sem levar teus olhos marrom-lápis na mente", algo assim, como um amor de loca juventud. mas teu telefone despretensioso, eu perdi e não me perdoo. aliás, te disse que ando perturbado ultimamente? quase não me reconheço, quase não reconheço mais o signo em mim, que sempre me foi tão apegado. escorpião, sagitário, não sei que lá. mas há boas previsões naquele horóscopo do jornal. também li o seu. "netuno e lua caminham em peixes trazendo boas mudanças", dizia. faz sentido?

quando te vejo de novo? quero te apresentar uma coisa que conheci e me deixou estarrecido.

um beijo de nove minutos que não pude te dar,

b.

07 abril 2014

ás


hora de abrir um botão
e enfiar a mão
dentro da calça
deixar lá
curtindo
um som
fumando
um cigarro
pensar na vida
olhar o teto
mitigar
os pensamentos
todos
estar
entre o verde
e o azul
das coisas

ver o centro em sépia
sem filtro
calma
é só uma lente
marrom
o copan
de manhã
que lindo

surfar dentro do cabelo
se imaginar
na cadeira
do cobrador
ceder lugar
fingir que dorme
pra não ceder
o lugar

o crime compensa?

ouvir a mesma canção
no loop
quarenta e quatro vezes
sem enjoar

fazer a matemática
da vida
e ver
que a soma
a divisão
e a porra do X
não importam uma pica
não valem nada
nunca valeram

comprar fiado na vendinha era bem mais lôco

é como quando
você nem menstruou
ou beijou
e busca respostas
em revistas
escritas
por pessoas
tão frustradas
quanto você

foda-se o empirismo
nossa, foda-se mesmo

existem coisas melhores
sempre existem coisas melhores na vida

discutir a grafia
dizer bom dia
e se esforçar
pra falar outra língua

ler pouco
e querer saber
muito
odiar partituras
ligar e dizer
não vou
não quero

ver a vida
não ponderar
correr o risco

foda-se a epistemologia
foda-se

prefiro
perceber
a latência
das e nas
palavras
que às vezes querem mesmo dizer algo
e eu lembro
daquela frase
“nos horizontes dos teus ais”
eu nunca esqueci isso

seja bem-vindo, outono
você sempre traz o começo e o fim
do meu inferno astral
e que venha o meu novo ciclo solar

,

hoje eu vi uma sacola voando no vento

e foi foda


04 abril 2014

para uma tortura bastar - parte II

para ler a parte I, clique aqui.


essa coisa de primeira impressão me pega pra caralho. fiquei pensando com-que-roupa-com-que-roupa-com-que-roupa-eu-vou-pro-samba-que-você-me-convidou. imaginei que você estivesse cagando pra minha roupa e se importando muito mais com o que estava dentro dela. ou com o que não estava. porque, sim. fui sem. obviamente pra provocar, pra ter um motivo, ter algo pra contar que fugisse do trivial. marcamos de nos ver já no lugar porque bernardo tem esse quê de independência amorosa assim como eu tenho, embora ele pareça muito mais interessado em mim do que eu nele. ao mesmo tempo que me interesso, perco o interesse do nada.

quando cheguei ele já estava lá, no segundo chope. não sei bem o que me deu, cheguei e dei um beijo nele. na boca. um beijo leve. quase infantil. um selinho demorado. doce. desses que faz as pernas tremerem e o peito queimar.

- você está linda.

sorri. não disse nada. nem oi. é duro ter sido casada. é foda. de alguma maneira, algo dentro de você congela e teme. expectativa demais estraga o ser humano.

- eu precisava muito ter ver, ele suspirou.

eu não sei teu signo, criatura, mas teu timbre de voz me transporta prum mercúrio quase, quase nada retrógrado. arrisquei uma primeira fala enquanto ajeitava uma mecha de cabelo atrás da orelha.

- a gente nem se conhece direito.

ele sorriu. senhor amado. uma coisa me queima por dentro. um horror, um sonho, uma coisa incrível e assustadora. amor?

pedi um drinque qualquer, nem lembro qual. ele continuou no chope. nove. contei as bolachas. me achei psicótica por isso. contar quantos chopes ele tomou. mas contei. tomei três drinques e uma dose de cachaça. tentei fazer uma conta que envolvesse porcentagem alcoólica, mas desisti porque já estava bêbada e por na balança quão bêbado está cada um é uma merda. ele perguntou se eu queria ir até a casa dele. ouvir discos. todo mundo sabe que tipo de disco você ouve quando está com bebida na cabeça. e eu fui.

quando chegamos lá foi inevitável perceber a organização. casa muito mais arrumada que a minha. certeza. ele colocou “when lights are low” e me pegou de surpresa. me beijando e me agarrando pela cintura. será que eu ainda tenho pernas, eu pensava, porque ficar de pé estava impossível. não pela bebida, mas pela coisa toda, pelo abraço, pela dança, pelo beijo, por aquele homem, aquele pescoço, aquelas mãos que meudeusdocéu.

- eu não sei dançar.

e ele falou de um jeito tão fofo.

- dançar é só uma desculpa pra eu me esfregar em você.

sei lá. eu tava bêbada. foda-se. falei.

e ficamos dançando na sala.

eu sentia o cheiro dele, sentia, sentia mais, ele me cheirava e me beijava. e me pegava pelo cabelo dum jeito que parecia mesmo que sabia o que estava fazendo. parecia de propósito. ele enfiava a mão no meu cabelo por dentro, perto da nunca, e segurava tudo, o cabelo, a cabeça, meu corpo, meu coração. eu estava entregue. mesmo. eu fraquejei. expulsei meus demônios cheios de medo. estava bom. por que eu deveria me privar de viver algo bom? por que, bernardo, se você só faz com que eu me sinta bem e viva e amada e uma mulher diferente das outras mulheres que você já teve, sei lá, sua amante, sua mulher, fazer planos, aqui você vai comprar carvão, aqui cerveja, vamos morar aqui nesse apartamento perto da treze de maio, vamos ter dez filhos, sei lá, eu fazia planos sem querer enquanto você me abraçava, com a tua mão esquerda dentro do meu cabelo, me enfiando na tua vida pra sempre e eu nem sabia.

- mais, falei.

e ele me beijou mais. e me segurou forte.

e o mundo – tão grande, tão gigante, tão mundo – parou.


[continua...]