03 novembro 2014

Ivanelson

Já nos primeiros passos pelo corredor de bebidas do supermercado, uma lágrima teima em querer sair dos meus olhos. Não sei se do direito ou do esquerdo. De fundo, uma música típica de comédia romântica, naquela cena meio triste em que o casal está separado, um pensando no outro.

Olho para os vinhos. Quero escolher um que custe mais de R$ 20 reais e menos de R$ 30. Uma embalagem de R$ 19,90 me chama a atenção, mas está abaixo do orçamento que estipulei, projetando qualidade e preço. Escolho uma garrafa chilena. A embalagem não tem nenhum toque especial, mas me parece agradável. A uva é Carménère. Tia Cynthia sempre escolhe essa uva e estamos falando de uma mulher de bom gosto.

Quando chego no corredor dos sucos, já não consigo controlar as lágrimas. Casais em dúvida entre o sabor de uva ou de maracujá me assistem chorando baixo. Não posso fazer nada. Mesmo assim, continuo escolhendo um suco que me agrade. Compro o da mesma marca de sempre, de pêssego.

Já passa da meia-noite, estou longe de casa e nesse momento me sinto classe média, com direito ao típico pensamento: “Eu trabalho demais. Foda-se. Eu mereço”. Chamo um táxi. O motorista está se formando em ciências contábeis esse ano. “Números...”, digo. E ele me explica que o curso é de humanas. Fico silenciosa porque o sujeito é um pouco grosso e destrambelhado. Estou frágil.

Ao chegar no meu prédio, o homem me ajuda com as compras. Seguro o portão enquanto ele carrega as sacolas. Insisto em ajudá-lo, mas ele diz “Por favor, não”. Seu cabelo é lambido de gel. Quando dou meu cartão para pagar a corrida, ele acrescenta R$ 2,50 "pelo uso do porta-malas”. Fico um pouco espantada. Nunca ouvi falar nessa taxa. Mas digo que tudo bem e ele passa o cartão. Eu já tinha mesmo pensando em dar uma caixinha.

Chego em casa. Lavo as coisas de geladeira, penso nas lindas perucas de RuPaul, como três bisnaguinhas com requeijão. A forma de gelo está imunda. Jogo os gelos sujos na pia, lavo o plástico e coloco uma nova água. Em tempos de seca, talvez eu tenha agido de maneira pouco ecológica. Mas gelo sujo é um trem esquisito por demais.

De repente, me admiro: a etiqueta do lava-arroz que comprei sai facilmente. Nela, está escrito “Super Feirão Ivanelson”. Não sei quem é Ivanelson, mas é um sujeito inteligente. Antigamente (usar essa palavra é saudoso), as etiquetas grudavam no plástico. Mesmo lavando, o saleiro ficava com restos do papel colado. Hoje, não. Hoje temos Ivanelson, que cria etiquetas que saem inteiramente e não grudam. Gostaria de parabenizar Ivanelson e sua delicadeza ao pensar no bem-estar de seus clientes.

Entre bobagens e plásticos, analiso minha vida. É engraçado como o sentimento de espanto passa a ser substituído por algo quase robótico, moderno, seco. É a vida, penso, enquanto concluo esse texto.



Um comentário:

Raphael disse...

Esse papo já tá qualquer coisa
Você já tá pra lá de Marrakesh..