21 junho 2014

sábados

te esperei na esquina da martins bonilha por mais ou menos quarenta minutos. foi novo porque é sempre você quem me espera. e lembrei do dia do café (quando a noite chegava). fazia tão pouco tempo e ali mesmo a vida já demonstrava o tamanho da merda que estava por vir. li todos os folhetos sobre a mulher e o islamismo. acabei botando de volta no livro. era da biblioteca. não sei de quem veio nem pra quem vai. aliás, nem te disse, mas rasguei um dos livros que você me deu. eu estava na página 89 e, quando virei para a 90, dei de cara com um bilhete.

sentir falta é um agente que impulsiona, confunde e me dificulta (tanto) a hierarquização dos sentimentos. te coloco na frente de tudo. não posso. sinto saudade. mas sei que você não sente.

“tú
que ayer sólo eras toda la hermosura
eres también todo el amor, ahora.”

P.

senti algo horrível. não sei se ciúme. algo mais próximo da raiva. e também porque eu sabia de quem era a citação. borges. não lembrava o poema, mas sabia que era dele. tinha certeza. nem conferi. até agora não conferi. e tenho certeza que é dele. passei boas semanas metida no livros dele pra desenvolver uma pesquisa no terceiro ano da faculdade. e uma única coisa me incomoda, me incomoda profundamente nessa citação: o poder da vírgula. a força. o significado. uma porrinha duma vírgula.

eres también todo el amor, ahora

sem essa vírgula a frase não teria o peso que tem. agora. você, que ontem era só toda a beleza, é também todo o amor, agora. você. amor. todo amor. agora. ou seja, agora você é todo o amor. quem é P? meu deus. quem é P? por que caralhos você me deu um livro seu com um bilhete de alguém dentro? geralmente, as pessoas sacodem seus livros antes de emprestá-los. isso é cuidado. mínimo cuidado com as suas coisas. ou melhor, com a sua intimidade. eu jamais daria ou emprestaria um livro que li com algo dentro. fosse um folheto sobre a mulher e o islamismo ou um bilhete de “amor”.

guardei o bilhete. mas rasguei o livro. piquei tudo. sem pudor. em papéis minúsculos. fui muito louca. sim. fui. rasguei tudo. se eu tivesse uma fogueira, metia o livro lá dentro. guardei o bilhete. está aqui. quero te devolver. imagino que P deva ter algum significado na sua vida. senti raiva de você, não de P (sei lá se é homem ou mulher). o bilhete é bonito. a letra é horrível. a minha letra é muito mais bonita.




mentira.

minha letra é horrível.





e é mentira que eu guardei o bilhete pra te devolver. eu rasguei junto com o livro.





desculpa.









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