19 setembro 2011

um homem pela cidade I

pois que atrevo até mesmo a dizer
que dinamites não o impediriam de atravessar a rua
tampouco pólvora nos bolsos
ou tremor nos dedos

é um belo rapaz

atravessa correndo
não olha o céu
nem os carros

entra na primeira padaria que seus olhos alcançam
pede um café puro
e, nervoso, sorve numa só golada
a garganta arde como um inferno
a língua, agora sem sensibilidade
questiona-se como será
quando encontrar outra língua

um nirvana trôpego
um pauperismo
um silêncio
uma laconicidade

seu coração é como um bonde
atravessa a cidade a fervilhar pessoas
teme o avanço dos caminhões
teme pássaros maquinados a voar
mas tem de viver e correr
dentro ou fora dos trilhos

quando berrou o primeiro berro
recém-saído da mulher que lhe pariu
já ali não teve escolha

do útero para o mundo
- somos angustiados por estarmos fora do útero
até mesmo aqueles calculados in vitro
mas não menos humanos -

puro e enfiado numa camisa cafona
estava às pressas
procurando a mulher que lhe encantou
noutra noite

mas a rua é longa
os bares são muitos

por um segundo deseja estar em casa
a se masturbar devagar debaixo das cobertas
assistindo um filme qualquer
a pensar que nenhuma mulher lhe merece
a pensar que nenhuma mulher merece seu pau

mas há um propósito esta noite
grandioso
magnificente
e que talvez desencadeie numa tenebrosa epopeia:
reencontrar a mulher que lhe estremeceu os ossos

[continua...]

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