16 julho 2011

Você demora, amor

Os fios de cabelo são castanhos e tocam, estrategicamente, os ombros - que neste momento estão nus, a espera do vestido azul marinho. Os sapatos também já foram escolhidos. São vermelhos, recém comprados em um brechó ao lado de uma loja de roupas para travestis no Baixo Augusta. O dedinho do pé direito está um pouco machucado e para encarar o sapato "novo", ela reveste a pele com uma pomada cicatrizante e em seguida fixa, delicamente, um band-aid. Os gestos são todos leves, assim como sua alma, que vive um dia de paz.

Escova os dentes balançando a cabeça ao som de uma música imaginária. Ah, é verdade, ela pensa, essa é a música do filme que vi ontem. Enquanto isso, ao espelho, sabe que está bonita e que nenhum homem resistiria ao caimento do vestido que, embora deixe-a com um aspecto de menina, mostra suas pernas, que são de mulher. Seus olhos castanhos parecem duas amêndoas densas, profundas, capazes de guiar qualquer ser masculino ao mais terrível dos infernos.

Hidrata a pele do rosto e começa as escolher as cores da maquiagem. Nos olhos, opta pelo preto, clássico, esfumaçado e muito rímel. Nas bochechas, um tom delicado de laranja a deixa com um aspecto natural de verão. Um batom cor de boca, apenas para hidratar os lábios e está pronta.

Cogita ir ao espelho grande e desiste. Sem nada mais para fazer, passa a fustigar sua mente com pensamentos ruins pois sabe que neste exato momento, ali, pronta, sozinha no apartamento, depende de um único homem. Um homem que virá buscá-la para tirar suas roupas e fazerem amor.

Retira, agora sem a delicadeza de antes, uma maçã da fruteira e morde-a com violência. Está com raiva. Tem a certeza da dependência e este simples fato lhe dói e ofende. Além do mais, ama-o com toda sua loucura, todas suas razões e desrazões. Quer vê-lo, quer fazer amor violentamente. Espera que ele rasgue seu vestido e suas roupas íntimas. Começa a pensar em muitas coisas e já desconhece a mulher cheia de paz que parecia ser minutos atrás. Ele está atrasado.

Anda pelo apartamento atormentada. Já tirou o sapato e seus pés estão com as solas pretas. O olho direito deixa escapar uma lágrima raivosa, estragando parte da maquiagem. Fios de maçã se instalam em seus dentes. Está triste. Triste e um tanto adoecida. Está decepcionada. O telefone não tocou, não há recados, sinais. Tem vontade de sair na rua e dizer a qualquer homem "me coma" só para não perder a viagem, o vestido e o tempo gasto com a maquiagem.

Deita na cama e levanta o vestido azul marinho, triste e lasciva. Com as coxas à mostra, esfrega o corpo no colchão e usa os quadris com ritmo. Vai fundo em si mesma. A cabeça, desesperada, para um lado e para outro. E prestes a chegar ao fim, quando sente-se livre e já nem pensa nele, toca a campainha.

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