10 abril 2011

para o rei torquato

sou
um mar
uma flor
um algo
um arroz
no arrozal
um milho
no milharal
um milho
numa panela
de ex-milhos
que viraram pipoca

sou
atroz
algoz
sou
um vibratinho safado
e sem fôlego

sou
uma nota de um real
uma caca de nariz no papel higiênico
sou sem classe
classe baixa
sou o passe
de um jogador
desvalorizado
dum time
do interior

sou
os últimos centavos do bilhete único
sou
o sono do cobrador que dorme manso

sou qualquer coisa simples
que todos adoram
sou uma complicação irremediável
uma enfant terrible
sou a ganância dos ricos
sou o luxo dos pobres
sou a carne mais cara do açougue
sou o jornal que enrola o peixe dentro do lixo
e que forra a gaiola do triste passarinho
que não canta mais

sou a filha do jornaleiro que abre a banca logo cedo

sou o chorume da sacola
a marca de batom na camisa do homem infiel
telefone que não toca
sou o gilete que empipoca a pele
o cigarro entre os dedos da manicure que observa o passar dos carros
sou o asfalto recém recapeado

sou triste
gestante
vegetariana
budista
marxista
evangélica
negra
menina
avó
modelo-atriz-apresentadora

sou ex-bbb
sou do norte e do sul

sou assim
pele e epiderme
tenho soluços e soluções

sou assim sou assado
a galinha e o grão
sou o mundo e sou sozinha
salsicha, molho e pão

Um comentário:

rafael gregorio disse...

eu gosto de tudo, mas o que mais me encanta são os detalhes de vida fresca como tinta que você pinça assim toda delicada

como quem faz algo fácil e banal

o sono do cobrador, o passe do jogador, qualquer coisa
simples
sonora