08 maio 2013

nós - parte I

esse não-diálogo é algo meu e de sabrina haick. nunca pensei que poderia dividir algo tão íntimo com alguém: um texto. mas dividimos. aqui está a primeira parte.

O CARA DIZ
você é a garota que conheci aquele dia. você vestia branco e seu cabelo era dourado. segurava uma long neck na mão. seu papo era maluco. você falava sobre flutuar e bater punheta, mas você nem tem um pau. eu tenho um pau e pensei que você poderia bater uma punheta pra mim, mas obviamente isso seria grosseiro e eu prefiro te poupar das coisas ruins do mundo. seu cabelo era dourado, sua língua era dourada, sua unha era dourada, o ar que você respirava era dourado. a baba que saia do seu espirro era dourada. era uma chuva dourada, mas não era mijo. tinha cor de ouro. e você lambia a boca da garrafa, me provocava, falava sobre punheta. eu tava tímido pra caralho, o dia tava amanhecendo, sei lá. eu tive dúvidas e certezas e você nem viu. você dançava e as pontas do seu cabelo batiam no meu rosto. eu fechava o olho, tava tudo em câmera lenta, você dançava e batia o cabelo na minha cara e aquilo era um paraíso momentâneo pelo qual eu poderia abdicar toda a minha rotina cansativa para viver de. você tava bêbada, eu nem te conhecia direito e tinha certeza que você era daquele jeito mesmo. parecia que você tinha muita vontade de viver e, bicho, eu tava numa fase tão merda e fodida que até me assustou. me assustou pensar que alguém podia parecer tão bem, e dançar, e lamber a boca da garrafa de cerveja e me olhar com um olhar de quem conhece um mundo do qual me abstive durante esses 32 anos. e você era menina demais. e dourada.

GOLDEN GIRL DIZ
você não tava nem aí para mim, não falava uma palavra, mas tava na roda. o fumódromo tava lotado, às vezes a gente roçava os braços, tava calor, todo mundo suava. o pessoal tava falando muito alto, mas eu escutei quando você me perguntou se eu curtia pink floyd. respondi que muito, você ameaçou sorrir, mas nem isso. me peguei te olhando enquanto bebia um daqueles goles da long neck, você olhou de volta e desviou na mesma hora, assustado. não sabia qual era a tua, mas teu jeito de menino tímido que foi excluído no colégio me dava tesão. por um instante vi você trocando palavras com uma mulher de cabelo cacheado que vestia uma saia até o tornozelo e me subiu um fogo. homem, como pode me enlouquecer com tanto silêncio e deixar outra ouvir sua voz tão de perto, pensei. mas isso foi só por dois minutos. começou a tocar led e fui dançar com as minhas amigas. bêbadas, suadas, de mamilos duros, dançamos para vocês. eu para você. a outra mulher tinha sumido e você então passou a me olhar mais vezes, de um jeito gostoso, te puxei para dançar e você veio, fiquei até com medo. meu cabelo tava grudando na nuca de suor e você praticamente seco, sério, silencioso, mas, ainda assim, na roda.

2 comentários:

diegocapdeville disse...

"Você tava bêbada, eu nem te conhecia direito e tinha certeza que você era daquele jeito mesmo. parecia que você tinha muita vontade de viver e, bicho, eu tava numa fase tão merda e fodida que até me assustou."

isso é maravilhoso, bicho.
todo, aliás. mas este período é campeão.

Sara disse...

Espero que você tenha a capacidade de escrever as coisas como estão, porque eu não tenho muito tempo agora, mas eu gostaria de ser capaz de fazê-lo em Vila Leopoldina