26 maio 2009

no mundo dos semtempo
semdinheiro
cai tudo em uma nota só
sem eixo
sem valsa

a musicalidade engole a alma
que engole a arte
que engole dragões
que cospem fogo
em mulheres
que vazam sangue
tristes

no mangue

23 maio 2009

Madrugada

Do fundo de meu quarto, do fundo
de meu corpo
clandestino
ouço (não vejo) ouço
crescer no osso e no músculo da noite
a noite

a noite ocidental obscenamente acesa
sobre meu país dividido em classes

(abril, 1971)



Ferreira Gullar

03 maio 2009

o muro

vivo
florido
alado



todos querem transpassar o muro
todos querem ser mais altos que o muro


nós queremos encher o muro de

flores
cores
sabores
livre poesia


mas,

o muro é

intransponível
inabalável

o muro é

louco & doce
na medida certa


o muro foi construído corretamente
por linhas tortas
por encontros e desencontros

no bixiga
em santana
no céu
ou quem sabe até

em vidas kármicas-passadas


o muro foi construído
em noites geladas de inverno
regadas à cocaína, cerveja, maconha
noitadas, grandes viagens


mas o muro também tem suas dores
seus desprazeres
seus dissabores



se esquecem que o muro
é o deus todo poderoso da rotina
exerce poder sob todo e qualquer cidadão


o muro flui num caos desconexo de palavras
ele sintetiza
por que não
o amor


o
amor
pleno



o muro sobrevive. continua florido.



o muro é um mundo cheio de cicatrizes.




mas não deixa de ser


(onipresente)


o muro







nós somos o muro.